Criar um canal de comunicação dentro dos condomínios entre os síndicos e os moradores, é fundamental para a gestão desses espaços, e necessário para dar voz aos moradores.
Atualmente vivemos em uma fase onde os aplicativos de conversa se tornaram a principal ferramenta de comunicação nesses espaços, e o que não falta são ações no judiciário onde Crimes contra Honra (injúria, calunia e difamação) envolvendo condomínio, condôminos, síndicos, funcionários.
Os crimes contra a honra estão previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal e são definidos da seguinte forma:
Calúnia
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.
A calunia é cometida quando se atribui alguém a autoria de um fato definido em lei como crime quando se sabe que essa pessoa não cometeu crime algum
(…)
Difamação
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.
(…)
A difamação acontece quando atribuímos a alguém fato ofensivo à sua reputação ou honra (por exemplo, espalhar boatos que prejudiquem a reputação da pessoa na empresa em que ela trabalhe ou na comunidade em que ela vive, nos grupos de Whatsapp, entre outros.
Injúria
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.
Quando ofendemos a dignidade de alguém por meio de insultos, xingamentos, humilhações cometemos o crime de injúria.
Quando as ofensas ferem a dignidade da pessoa utilizando-se de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência cometemos o crime de Injuria Qualificada.
Além dos crimes cometidos contra honra atualmente temos mais duas legislações afim de regular os espaços cibernéticos:
1º A Lei dos Crimes Cibernéticos Lei 12.737/2012, chamada de Lei Carolina Dieckmann, que tipifica atos como invadir computadores (hacking), roubar senhas, violar dados de usuários e divulgar informações privadas (como fotos, mensagens etc). Os crimes previstos na Lei de Crimes Cibernéticos e inclusos no Código Penal (artigo 154-A e art. 298).
2º O Marco Civil da Internet Lei 12.965/2014 que regula os direitos e deveres dos internautas e protege os dados pessoais e a privacidade dos usuários. A lei reza que somente mediante ordem judicial poderá haver quebra de dados e informações particulares existentes em sites ou redes sociais.
Em posse dessas informações e também diante da realidade jurídica de um grande número de ações que envolvem crimes contra honra, e demais crimes cometidos nos ambientes virtuais envolvendo sindico, condomínio, e moradores é necessário falarmos sobre de que forma está sendo feita a comunicação dentro dos condomínios.
Os meios de comunicação dentro dos condomínios são espaços suscetíveis ao cometimento dos crimes elencados acima, por isso é importante que o síndico as administradoras e os condomínios mantenham a ética e o decoro no uso desses ambientes.
Ademais, é justo debatermos sobre os canais de comunicação existentes, para que os síndicos avaliem qual se encaixa melhor no perfil do seu condomínio.
Vamos apontar os pros e os contras dos principais meios de comunicação utilizados, quais sejam: apps de gestão condominial, grupos de whatsapp, livro de ocorrência, e-mails, site de condomínios.
Lembrando que seja qual for o meio de comunicação oficial do condomínio, o mesmo deve estar previsto na convenção condominial ou regimento interno, e no caso de omissão é necessário que seja debatido e votado por assembleia.
Essa previsão é fundamental para dar materialidade comprobatória nos atos de gestão do síndico.
Desenvolvimento:
Aplicativos de Gestão Condominial.
Já está sedimentado no mercado e na vida dos cidadãos os apps de celulares, esses aplicativos auxiliam na realização de uma diversidade de assuntos, inclusive na gestão condominial.
Alguns aplicativos são desenvolvidos para adesão direta dos condomínios, outros são desenvolvidos diretamente pelas administradoras.
Esses aplicativos funcionam como um livro de ocorrência digital, porém com a vantagem de as reclamações não ficarem expostas para que os outros moradores leiam, apenas o síndico tem acesso. E ainda são o meio de comunicação entre a Administradora, Síndico e os Condôminos.
É uma excelente ferramenta de controle, onde os moradores que realmente tem interesse podem tomar conhecimento sobre a situação do condomínio, tecer críticas, ver as atas de assembleias, cópia da convenção, do regimento interno, retirar boletos das quotas condominiais, receber edital de convocação de assembleias, entre outras funções, dependendo de cada aplicativo.
Isso sem falar que toda vida do condomínio fica disponível no aplicativo, alguns até em forma de gráficos apresentando os créditos, os débitos, o índice de inadimplência. Os contratos firmados com terceiros, notas fiscais, entre outros.
Essas plataformas costumam criar mecanismos inteligentes de reclamações e denúncias, de forma que o síndico pode ter um controle mais segmentado das urgências e das espécies de demanda.
Ademais, essas mensagens ficam registradas, servem de materialidade comprobatória no caso de alguma lide no judiciário, para provar as formalidades que envolvem o condomínio, como por exemplo as assembleias, convocações, edital, atas, quóruns, entre outros. Lembrando que também existem os sites das Administradoras com as mesmas funções dos aplicativos.
Entretanto nem tudo é positivo, pois no caso dos apps o número de moradores que realmente utilizam essa ferramenta, e que sabem usar adequadamente é pequeno.
Teoricamente vivemos a 4º Revolução Industrial, onde o mundo está imerso na tecnologia, muitos serviços são prestados mediante aplicativos e sites, porém o número de pessoas que vivem à margem desse fenômeno por opção ou por questões sociais é expressivo.
Mesmo em apps de celulares ou em sites é importante salientar sobre as responsabilidades em relação aquilo que é escrito. A internet e suas ferramentas não é uma terra sem lei, é preciso manter o decoro com as palavras, a ética e principalmente ter noção que existe responsabilidade civil e criminal em relação ao que falamos ou escrevemos em todos os ambientes físicos ou virtuais.
Grupos de WhatsApp.
Os grupos de Whatsapp são atualmente o meio de comunicação mais utilizado pelos condôminos, embora sejam eleitos pelos moradores como um canal para debaterem os assuntos referente ao condomínio, normalmente esses grupos são criados de forma aleatória, não sendo o meio de comunicação oficial.
É certo que através desse aplicativo é possível resolver muitas coisas, enviar comunicados, convocação para assembleias, fazer reclamações, enviar notificações entre outras ações, porém é preciso previsão na convenção condominial ou regimento interno ou por decisão de Assembleia.
Quando utilizamos um meio de comunicação que não é aquele previsto na convenção condominial, aquilo que formalizamos nesse meio não tem força comprobatória O síndico deve se resguardar muito bem sobre essas questões, para não ter surpresas jurídicas depois.
No entanto é bem verdade que as conversas que acontecem nesses ambientes podem servir de provas em ações de dano moral por crimes contra honra cometidos nesses ambientes.
O número de ações no judiciário que envolve ofensas nos grupos de WhatsApp em condomínios é grande. Abaixo temos um exemplo de jurisprudência envolvendo essa temática.
Ação de reparação de danos morais – Sentença de improcedência – Insurgência do autor – Ofensas dirigidas ao autor proferidas em grupo de “Whatsapp” privado de moradores do condomínio em que o autor exercia a função de síndico – Conduta ilícita da ré verificada – Existência de dano moral em relação ao autor – Valor da indenização deve ser fixado segundo os critérios da razoabilidade e proporcionalidade – Correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso – Sentença reformada Recurso de apelo provido. Dá-se provimento ao recurso. (TJ-SP 10122214920158260009 SP 1012221-49.2015.8.26.0009, Relator: Marcia Dalla Déa Barone, Data de Julgamento: 16/05/2018, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/05/2018)
Abaixo outra jurisprudência envolvendo grupos de Whatsapp:
EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. OFENSAS E DIFAMAÇÃO PROFERIDAS POR WHATSAPP. RÉU QUE IMPUTOU AO AUTOR A FALSA CONDIÇÃO DE INADIMPLENTE. CONDIÇÃO DE INADIMPLENTE DO AUTOR JÁ AFASTADA EM LITÍGIO DIVERSO. DANO À HONRA COMPROVADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO COMPORTA MINORAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA (TJ-RS – Recurso Cível: 71007885825 RS, Relator: Alexandre de Souza Costa Pacheco, Data de Julgamento: 27/03/2019, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/04/2019)
Quando o assunto é a comunicação do condomínio via grupos do Whatsapp há duas considerações importantes a serem feitas: a primeira é que os moradores evitem discussões, ofensas e principalmente acusações nos grupos, a segunda é que os síndicos não façam parte dos grupos, por inúmeros motivos.
Por precaução, evitando desgastes com os moradores, principalmente os síndicos que moram no condomínio, e pelo risco de ser solicitado diuturnamente nas conversas por condôminos descontentes, existe a expectativa de resposta rápida nesses casos, e isso pode prejudicar a gestão do síndico.
Mas caso o síndico queira utilizar o Whatsapp existem algumas formas mais práticas e seguras, a lista de transmissão, ou o grupo que ele montar, com regras bem estabelecidas onde o decoro e a urbanidade devem ser exigidos. É preciso manter o cadastro dos moradores em dia, para que ninguém fique excluído.
Caso os condôminos desejam que é mais prático oficializar o Whatsapp como ferramenta de comunicação, o que não é o recomendado, e não exista essa previsão na convenção condominial, ou até mesmo a previsão seja de outra forma de comunicação será preciso tomar as providências cabíveis, sendo elas todas dependentes de decisão de assembleia.
Porém não é recomendado o uso do Whatsapp como o canal oficial de comunicação, para isso existem meios mais seguros e mais formais.
Comunicação via e-mail.
O e-mail sem dúvida alguma é uma ferramenta de comunicação que auxilia o síndico no envio de mensagens relacionadas a vida em condomínio.
É salutar que o síndico tenha um e-mail para comunicação com os moradores, assim ele poderá enviar e receber as demandas relativas à sua função.
Lembrando que o recomendado é que o e-mail seja o do condomínio, com o nickname do mesmo, sendo assinado pela figura do síndico em exercício.
No caso do e-mail também é preciso evocar a necessidade de previsão na convenção condominial, regimento interno ou assembleia.
É importante manter o cadastro dos moradores sempre atualizado, é preciso ter um bom controle da entrada e saída de moradores no condomínio, para evitar erro de comunicação, envio a endereço de e-mail errado, ou por morador não cadastrado.
Caso seja o meio de comunicação oficial, e apenas um morador não seja convocado para assembleia via e-mail, essa assembleia pode ser anulada por erro formal.
O decoro e a urbanidade também devem ser priorizados nesses ambientes, sendo que as ofensas proferidas via e-mail são provas lícitas para ação de dano moral ou demais ações.
Livro de Ocorrência
O livro de ocorrências é o instrumento de comunicação mais antigo no universo condominial, normalmente ele fica na guarita, ou no escritório do condomínio ou até na posse do zelador.
Ainda é muito utilizado, no entanto, há condomínios mais modernos que sequer sabem da existência desse instrumento, pois o mesmo já fora substituído por aplicativos, e-mails, ou whatsapp, ou pelo site do condomínio.
O livro e ocorrências é onde os moradores escrevem suas reclamações e assinam, os funcionários também poder fazer uso do livro, e até mesmo o síndico.
É um canal de comunicação democrático, onde se dá a publicidade de todos os acontecimentos do condomínio, lembrando que nada do que for escrito pode ser anônimo, e o síndico tem o dever de diligenciar tudo aquilo que é descrito no livro.
A grande vantagem do livro de ocorrências é que as informações ali contidas servem de amparo para que o síndico ou administradora tomem atitudes em relação as multas, advertências, manutenção, entre outros assuntos.
Ademais os registros descritos servem de prova judiciais no caso de alguma disputa jurídica relacionada ao condomínio.
As vantagens do livro de ocorrência que são a transparência, a publicidade e a capacidade comprobatória são também o seu ponto nevrálgico, pois, muitos moradores não se sentem seguros em fazer reclamações e terem que assinar o nome, já que o anonimato não é permitido, todavia, principalmente por não caber o anonimato e estar disponível para todos os moradores e funcionários do prédio há grande necessidade de decoro e urbanidade naquilo que é descrito.
Esse é o motivo desse instrumento estar perdendo espaço para os aplicativos e outras ferramentas onde o morador poderá enviar a comunicação e essa só será lida pelo sindico ou administradora.
Abaixo temos outro exemplo de jurisprudência cujo conteúdo são as ofensas proferidas em redes sócias em relação ao síndico.
EMENTA: CIVIL. OFENSAS PROFERIDAS EM REDE SOCIAL (GRUPO DE “FACEBOOK”) E MEIOS DE COMUNICAÇÃO (? GRUPO DE WHATSAPP? E? EMAIL?). EXCESSO. ABUSO DE DIREITO. OFENSA PÚBLICA QUE AFETA GRAVEMENTE A HONRA SUBJETIVA E OBJETIVA DA EX ADVERSUS. DANO MORAL CONFIGURADO (CF, ARTIGO 5º, V E X C/C CC, ARTIGO 186). VALOR RAZOÁVEL. RECURSO IMPROVIDO
Conclusão:
O que podemos concluir é que independente do canal de comunicação utilizado pelo condomínio é preciso ter claro alguns requisitos essenciais.
O primeiro é que o canal de comunicação pelo qual o síndico ou administradora irão comunicar os atos de gestão do condomínio deve estar previsto na convenção condominial ou no regimento interno. No caso de omissão desses documentos é necessário que o assunto seja votado em assembleia.
Também é fundamental que o condomínio mantenha um sistema de atualização cadastral, pois é preciso que todos os moradores sejam devidamente comunicados sobre os atos de gestão, principalmente as convocações de assembleia.
Outro ponto crucial é em relação a urbanidade e o decoro na comunicação entre sindico e moradores, primeiramente por questão de educação e ética e se isso não for o suficiente, por precaução, visto que somos todos responsáveis juridicamente por aquilo que falamos e escrevemos, seja qual for o meio de comunicação, se verbal ou se virtual.
Artigo escrito por Miguel Zaim: Graduado em Direito pela Universidade de Cuiabá, UNIC em Cuiabá-MT, Brasil (1994), Doutor em Ciências Jurídicas Sociais pela Universid Del Museo Social Argentino, Argentina (2017). Mestrando em Direito Justiça e Desenvolvimento na EDB, Escola de Direito do Brasil -SP.